quinta-feira, 10 de maio de 2012


Vinícius de Moraes - O Poeta e a Rosa e com direito a passarinho
Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa ir ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de branca
(Diga-se isso a bem da rosa…)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.
-Que foi? - balbucia o poeta.
E a rosa: - Calhorda que és!
Pára de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.
- São milhões! - a rosa berra
Milhões a morrer de fome
E tu, na tua vaidade
Querendo usar do meu nome!…
E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as
Fora, como a dar comida
A todas essas crianças.
O poeta baixa a cabeça.
- É aqui que a rosa respira…
Geme o vento. Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta 
                                                           Rio, 1959

(F&N)

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