quarta-feira, 9 de maio de 2012

E o lorgnon da velha magra se assestou contra o grupo como uma arma de guerra. O padre José Pedro ficou meio sem jeito, os meninos olhavam com curiosidades os ossos do pescoço e do peito da velha, onde um barret custosíssimo brilhava à luz do sol. Houve um momento em que todos ficaram calados, até que o padre José pedro criou ânimo e disse:
— Boa tarde, dona Margarida.
Mas a viúva Margarida Santos assentou novamente o lorgnon de ouro.
— O senhor não se envergonha de estar nesse meio, padre? Um sacerdote do Senhor? Um homem de responsabilidade no meio desta gentalha…
— São crianças, senhora.
A velha olhou superiora e fez um gesto de desprezo com a boca.
[…]
— Isso não são crianças, são ladrões. Velhacos, ladrões. Isso não são crianças. São capazes até de ser dos Capitães da Areia… Ladrões — repetiu com nojo.
Os meninos a fitavam com curiosidade. Só o Sem-Pernas […] a olhava com raiva. Pedro Bala se adiantou um passo, quis explicar:
— O padre só quer aju…
Mas a velha deu um repelão e se afastou.
— Não se aproxime de mim, não se aproxime de mim, imundície. Se não fosse pelo padre eu chamava o guarda.
Pedro Bala aí riu escandalosamente, pensando que se não fosse pelo padre a velha já não teria o barret nem tampouco o lorgnon. A velha se afastou com um ar de grande superioridade.
[…]
Pedro Bala ria cada vez mais, e o padre também riu, se bem se sentisse triste pela velha, pela incompreensão da velha. Mas o carrossel girava com as crianças bem vestidas e aos poucos os olhos dos Capitães da Areia se voltaram para ele e estavam cheios de desejo de andar nos cavalos, de girar com as luzes. Eram crianças, sim — pensou o padre.

Jorge Amado

(F&N)

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